Porquê Santarém? Por que não Santarém?
Indo direto à conclusão: esta semana percebeu-se que Santarém está na lista das possíveis localizações do aeroporto para enganar meninos. Soubemos que os “Engenheiros” já escolheram Alcochete, o mesmo os “Economistas”. Santarém, liderado por um tipo com uma ideia (portanto um idiota, em linguagem nacional) anda por aí a fazer perder tempo a toda a gente. A Barraqueiro aparece envolvida, mas saltará logo que o poder sinalize a aventura como aposta inoportuna. Ainda assim, é intrigante: porque tratam tão mal a startup do dr. Brasão?
Creio que estamos conscientes, desde há muito, que se fará o que a ANA/Vinci quiser, desde que a lei não atrapalhe – como aconteceu no Montijo. Agora que há maioria, se os municípios se opõem ao investimento, muda-se a lei. O progresso está a pedir ação. O país não pode parar. O dr. Arnaut já disse querer Portela+Montijo e que não paga Alcochete, mas mudará certamente de ideias se lhe derem a concessão por mais 50 anos (?) e o Estado garantir os empréstimos. Como estamos numa fase delirante, até os economistas do costume não praguejam contra o gasto estratosférico “Alcochete – 10 mil milhões”.
Recapitulemos as razões para tanta euforia. O ministro Pedro Nuno Santos ainda esta semana lembrou que já escolheu. Supõe-se que se mantém nos dois, Montijo + Alcochete. O primeiro-ministro, no entanto, é que manda e chamou o PSD para uma decisão “nacional”. O dr. Costa ouve o dr. Montenegro, que quer ser ouvido, mas não responsabilizado pela decisão, e mandam fazer um estudo. O PCP, o Bloco e o Livre já decidiram: Alcochete. Acham erradamente que este “progresso” lhe trará votos na proletária Margem Sul. À direita, a escolha é a de criticar tudo sem arriscar nada.
Entretanto, o presidente da Câmara de Lisboa sofre do mesmo dilema de quase todos os lisboetas: quer um aeroporto “em proximidade com Lisboa”. Ora, 47 quilómetros para Alcochete, com uma ponte no meio, é “proximidade”? O Montijo é mais perto. A Portela nem se fala. Qual deles? Tabu.
É fácil tratarmos por estúpidos os que encomendaram “90 milhões” em estudos – os políticos. Ainda por cima não decidiram. Razão? Não podiam. A dívida pública portuguesa e as sucessivas crises não permitiram. Sócrates quis mesmo fazer a Ota, mas uns Engenheiros denunciaram outros Engenheiros, demonstrando o absurdo da construção de um aeroporto em leito de cheia. O Presidente (e economista) Cavaco Silva impôs então ao governo o abandono da obra.
Então surgiu Alcochete. Só que, em 2007, não tínhamos a noção quanto ao valor cada vez mais estratégico dos ecossistemas da Margem Sul. Estamos já a viver a era do caos nas alterações climáticas. No entanto, como se a amnésia fosse coletiva, encontramos um coro uníssono, desde a classe política à opinião nos média, com o “faça-se já”. Sem ponderarmos devidamente os impactos da maior obra pública para 100 anos. Sem avaliarmos o grau de saturação de Lisboa com muito mais turistas. Cabem?
Não se conhece a fundo o projeto de Santarém, mas uma virtude ele teria: colocar as low-cost a 40 minutos de Lisboa de comboio e manter a Portela para os voos “premium” – sem destruir ambientalmente a Margem Sul. Se esta hipótese existe, e ainda por cima é paga por investidores privados, porquê ridicularizá-la? Esperemos que a ANA/Vinci se una a esta (ou outra proposta) e perceba que é a melhor maneira de preservar Lisboa, aumentando o potencial turístico da capital, mas também, já agora, da Região Centro. Pode ser que o dr. Arnaut pense nisso. No fundo, ele e os milhões dos franceses é que são os donos disto tudo.
Texto: Daniel Deusdado
Fonte: Diário de Notícias